Eu já fui a Lisboa, a Paris, a Amsterdã. Eu já fui a Ubatuba, a Brasília, a Nova Petrópolis. Mas existe uma cidade onde nunca estive. É uma cidade imaginada, misto de Passárgada, Liliput, Atlântida e as cidades extintas dos povos antigos, e as cidades utópicas de Ítalo Calvino. Para essa cidade que quero visitar, tenho uma passagem comprada, data indefinida, que guardo entre as páginas dos meus livros, ou em uma gaveta de tesouros (essa passagem se parece, às vezes, com um bilhete de loteria. Será que vou ser escolhida, como a Dra. Arroway de "Contato", a fazer uma viagem interplanetária que me levará às praias galáticas da memória do passado e do futuro?).
Não que seja longe. Essa cidade é logo ali. Onde? Ali, onde o rio faz a curva e de onde vem uma música doce que acaricia os ouvidos e um cheiro de flor que o vento traz, quando venta trazendo chuva. Acontece que essa cidade é como Carcassone: é envolta por muralhas medievais, que parecem intransponíveis em sua altura e espessura (sabe-se lá quantos metros de tijolo que os aríetes não destroem) e a gente acaricia a pedra e nela encosta o corpo e o ouvido. Mas não alcança. Não ouve. Não vê.
A cidade precisa do muro e, com ele, talvez salvaguarde riquezas inimagináveis que nenhum pirata pilhará, nenhum saqueador destruirá e que, via de mão dupla, não dará ao mundo a chance de brilhar os olhos de visitantes maravilhados, não sentirá o prazer das idas e vindas, dos barcos atracados, dos trens na plataforma e saudações alegres e despedidas lacrimosas. Só poucos adentrarão pelas portas que quase nunca se abrem.
Os preguiçosos desistirão da viagem. Afinal, há tantas cidades belas e cheias de palácios e ruas e cafés e teatros, acessíveis por mar, ar e terra. Os persistentes, visionários e esperançosos não se deixarão abater, mesmo que ao cabo de sua busca, a cidade se mostre um vilarejo fantasma que permaneceu à larga do desenvolvimento e da plenitude, que nem os peregrinos haverão de salvar. Ao lado da cidade misteriosa, vão erigir uma vila. Plantarão flores aos pés da muralha, ao longo da vida que continua na sucessão das estações. Haverá música tranquila e redes penduradas nas tantas árvores em volta. O vento que venta trazendo o som e a chuva é o mesmo. O céu que olha as cidades, mesmo essa, assim como todas as cidades do mundo, ilumina-lhes com as mesmas estrelas do norte e do sul do planeta e lhes dá o sol e a lua, o frio e o calor, a esperança e a decadência. Por baixo das pedras, as raízes das plantas se tocam e se entrelaçam na profundeza da terra e chegará dia em que as frestas se tornarão maiores e mais uma vez a porta se abrirá para acolher mais habitantes, porque em cada um há um duplo que já mora lá. E cada um há de encontrar um pouco de si mesmo entre os transeuntes e se verá espelhado nas vitrines belas dos cafés da cidade murada e imaginada.