quarta-feira, outubro 29, 2008

Desexistir, a nova atração do dia

Enquanto se descarregam no lago Guaíba as águas das enxurradas no interior do Estado, aumentando o nível da água e arrastando juncos e engolfando ilhotas caudalosamente, eu observo o dia com a garganta dolorida e os olhos pesados.
É só um preâmbulo desconectado e desnecessário para algo que vem povoando minha cabeça independente das enchentes, das eleições municipais e estrangeiras e até de outros processos internos meus: um assunto tratado de antemão por dois blogs de alcances distintos. Será que não existe o que não vemos? Posto que uma árvore cai na floresta e não o sabemos, não o vimos, não o ouvimos, então a árvore, na realidade, não terá caído? Um lençol azul, no escuro, continua sendo azul?
E considerando essa brincadeira de claro e escuro, conhecimento e desconhecimento, que me pego novamente pensando nos porquês que se embrenham nas entrelinhas da cegueira (metafórica) humana. Se o que não é visto não só não é lembrado, quanto não existe, não haverá para milhões de pessoas hoje em dia - e em algumas situações, lugares e épocas, ineditamente - uma série de referenciais de civilização que, na ausência deles, nos igualam a um Kaspar Hauser? Quem saberá, criado em uma floresta na companhia única de animais selvagens (ou no desconforto de um cárcere privado, à custa de pão e água), que existem semáforos, vasos sanitários, coca-cola, leis, ambulâncias, velhinhas, crianças, controle remoto, pontes, igrejas e toda uma sorte de coisas das quais resulta um código social que devemos seguir à risca, de modo que essas coisas todas nos façam bem e igualmente recebam de nós um tratamento que lhes proporcione conservação e/ou bem estar?
E não é estranho que, apartados da vida na selva, vivendo justamente em sociedade - sejam as grandes ou as pequenas do ocidente -, os flagrantes de que alguma coisa talvez não esteja funcionando como deveria ocorram justamente no cotidiano da urbanidade? Seja em uma parada de ônibus, num conjunto habitacional, em uma escola secundária, em um comitê de campanha política, existem mostras de que nós, seres humanos, não estamos conseguindo enxergar o que supostamente existe e, privados do conhecimento (onde o excesso de informação é uma parede que talvez não consigamos escalar) que nos serve de cristalino, de lentes, de óculos, deixamos que os dejetos de nossos atos se espalhem pelos cantos das paredes e pelas frestas dos paralelepípedos, incontidamente, a ponto de escorregarmos constantemente em toda essa merda.

4 comentários:

isabel alix disse...

Touché.

A questão pra mim é, o quanto da visão vai embotando pelo hábito? O quanto da crítica vai se apagando pelo cotidiano?

Eu já perdi o parâmetro de tudo.

Stanislavski disse...

Na verdade somos cegos por opção, enxergamos apenas o que nos convêm.

Vica disse...

É uma merda tudo. Prontofalei.

Perfil disse...

Complexidade é tudo. Abraço do Cusco.