Malika, nove meses de gestação, percebeu que a bolsa rompera nos primeiros minutos de um bombardeio que caía sobre Qana em ocasiões intermitentes desde a noite anterior. Bachad, que se casou com Malika quando ela tinha treze anos, estava inquieto fazia alguns dias, desde que Fuad, amigo seu de infância e soldado das fileiras do Hezbollah, dissera, com olhar injetado e ar cansado, que o menino que sua mulher carregava no ventre, estava predestinado a uma missão divina: "ele é a semente do triunfo do Islã, Bachad".
No entanto, a lembrança passou por sua mente como uma tempestade de areia e, passado o ardor em seus olhos, Bachad tratou de sair de Qana com Malika logo aquela bateria de bombas tivesse cessado. Pegou seu burro, ajudou Malika a subir em seu lombo e, com poucos pertences, pegou um pequeno caminho que os fizesse pelo menos chegar à cidade mais próxima. Acima do cheiro de pólvora e carne queimada, o ar da noite era limpo e as estrelas, que enchiam de brilho o manto negro da madrugada, acabaram por guiar seu caminho até um estábulo, em que tiveram de parar pois as dores de Malika já se tornavam insuportáveis. Sorte que a propriedade era de Muhammad, seu conhecido, e não seria perigoso para passarem a noite até Malika se sentir melhor.
Sobre o estábulo, parecia que uma das estrelas brilhava mais forte. Após duas horas de gritos e gemidos, irrompeu um choro infantil e Bachad segurava, em suas mãos ensangüentadas, uma menina miúda e frágil. "Maldito seja, Fuad deve estar louco", pensou. Ao mesmo tempo, com o cordão de carne ainda ligado à menina, Malika pensava: "É ela quem vai conseguir deixar para trás todo esse sofrimento e vai lutar mais do que eu nunca consegui".
3 comentários:
nada a dizer, adoro o teu blog mas este texto esta perfeito. Feliz Natal!
Que absurdo esse texto.
Ele vai para onde ele merece. Na quarta.
Um beijo com bafo de saquê.
FELIZ NATAL! Muitas felicidades, muito desejo bom realizado, muito presente chique, muito amô. 2008 logo chega e aí, pronto, um mundo de possibilidades. Saudade e apareça pelas terras cariocas. Beijo enorme.
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