quinta-feira, outubro 12, 2006

Le Petit Chaperon Rouge

Era sexta-feira, 13 de outubro de 1931. O outono começava a soprar seus primeiros ventos mais gelados e o dia amanhecera nublado. Depois de acordar bem cedo e ter ajudado sua mãe nas lides diárias, Natalie colocou no cesto de vime um belo pão recém-assado, uma compota de confeito de framboesa que havia colhido ainda no início da manhã, alguns brioches e duas toalhas de mesa recém passadas. Tudo tinha um cheiro agradável de carinho. Ela e a mãe, que viviam sozinhas desde que o pai morrera na primeira guerra, tomavam uma série de cuidados com a avozinha, que fazia um ano tinha sintomas de uma doença estranha: começava uma frase e, no fim da frase, já não lembrava o que tinha começado a dizer. Perguntava por Antoine, seu pai, esquecendo-se de que ele morrera fazia anos. Começava a se parecer cada vez mais com uma criança e era por isso que, uma vez por dia, Natalie sempre lhe levava um cesto com víveres e alguma roupa lavada. Para facilitar a vida da avó.
Portanto, no fim da tarde, ela pegou sua capa vermelha, com um capuz, preparada para atravessar a floresta. A mãe, sabendo do risco diário que aumentava com a proximidade do inverno, advertiu a moça, que recém-completara 16 anos:
- Cuidado com os lobos. Se ouvir um barulho na floresta, apresse o passo.
- Oui, maman.

Apesar dos avisos da mãe, e ela sabia que tinha de tomar cuidado, Natalie saíra voluntariosa pelo caminho. Naquela tarde estava disposta a contar à avó seu maior segredo. Como amava muito a bondosa velhinha, sabia que ela não censuraria nada, que a abraçaria, que seria muito mais compreensiva que sua mãe. Não faltava muito para escurecer, mas a garota não resistiu: fez um desvio no caminho e foi bater à porta de uma casa conhecida. Numa fresta de porta surgiu um rosto familiar: o de Mme. Dupré, jovem viúva que morava perto. Natalie e ela haviam se aproximado depois da morte de Monsieur Dupré, não na guerra, mas justamente atacado pelos lobos no inverno passado. Natalie retirou o capuz e Mme. Dupré mais uma vez se surpreendeu em como os lábios da jovem pareciam tão vistosos como as framboesas que colhera naquela manhã, junto com Natalie.
- Marie, hoje vou contar à vovó - disse chapéuzinho, com os olhos úmidos e as faces coradas.
- Não faça isso! Se alguém descobrir, sabe dos riscos que corremos!
- Ela é a única que me entende. Eu não agüento mais guardar esse segredo.
- Vem, então entre um pouco e fique comigo. Acho que essa pode ser a última vez que isso acontece.

Então, com os olhos ainda mais lacrimenjantes, Natalie entrou e se sentou na cadeira da cozinha. Mme. Dupré abriu a cesta e de lá tirou a compota de framboesas. Abriu o pote, pegou com dois dedos um bocado da geléia e se ajoelhou na frente da cadeira. Pela janela, M. Renaud, caçador conhecido na região por sua bravura, via a cabeça de Natalie se mexer, jogando-a para trás, o olhos carbonizados e as faces tão vermelhas quanto sua capa, sob as carícias suaves de Mme. Dupré, infiltradas de framboesa. Debaixo do seu alforje, ele se movimentava numa expressão parecida com a da jovem.

Chapéuzinho continuou seu caminho e, ao se aproximar da casa de sua avó, encontrou a porta entreaberta, e um lobo morto no chão. A garota se assustou e correu para os braços da avó, calma, deitada na cama.
- Vovó, o que aconteceu? - perguntou a jovem, sobressaltada.
- Um lobo entrou aqui e M. Renaud o matou e foi embora. Está tudo bem, querida. Por que não trouxeste teu pai?
- Oh, papai... papai não pode me acompanhar hoje. - Natalie estava penalizada com a doença da avó, mas não podia se furtar de lhe contar o que sentia. - Vovó, preciso te dizer uma coisa. Promete que não ficarás braba comigo?
- Claro que não, minha querida. - M. Renaud já me contou tudo. Sei que vocês se amam e, como ele é um bom homem, tenho certeza de que cuidará bem de ti.

Nos olhos de chapéuzinho, um raio de desespero.
- O que, vovó? O caçador? Nós não... eu não entendo.

Nisso, o caçador entra no quarto.
- Sua avó foi a primeira a abençoar nosso casamento. E também será a última. - E atingiu a cabeça da velha senhora com um tiro da mesma espingarda que matou o lobo. - Diante do grito de Natalie, o homem continuou.
- A gente vai levar uma vida muito feliz, Chaperon, eu, tu e mme. Dupré. Prometes que faremos os três juntos o que vocês fizeram agora à tarde, na cozinha dela?
- Não!, gritou chapéuzinho. A moça tentou fugir, mas o caçador a segurou, levou-a para a cama e a estuprou ainda ao lado do cadáver quente da avó.

4 comentários:

Cinara disse...

Adorei a história, e achei um final surpreendente. Confesso que fiquei com pena da avó da Chapeuzinho. Pobre velhinha.
Abraço

Gláucia disse...

Bah, adorei Lívia. Adorei muito.
bj

isabel alix disse...

Nossa, que ótema!
Profundamente literária.

A minha favorita.

Beijos com amô.

Joelma Terto disse...

uma palavra? BAH!