sábado, outubro 25, 2003

Agora azul. Talvez um azul enevoado, talvez um azul translúcido de água que corre em quantidade. Na verdade, estou inspirada pelo poema que recebi. Porque sempre me deixo enlevar por essa liquidez tão cristalina. E como meus dias têm sido líquidos! Líquidos sob todas as óticas, como por exemplo, sob uma enxurrada generosa que lava tanto pré-concepções quando más lembranças, ou sobre um mar profundo que me larga, desde sempre, à deriva de sentimentos e perspectivas gerais... ou ainda naquilo em que me banho, de mim a mim, quando tudo é tão forte que não pode se conter... sejam lágrimas ou outras surpreendentes descobertas úmidas. Líquido ainda, que me faz lembrar de Clarice e sua "Água Viva", intensamente amniótico e fluído, e que me faz lembrar da água da chuva que acentua o cheiro da terra... e água, feminina como quase tudo o que é profundo e tão amplo que é perturbador.
Mas, passo ao momento copy&paste, para matar essa minha sede:

O Sono das Águas (Guimarães Rosa)
"Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme.

Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...

Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono..."

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