quarta-feira, fevereiro 27, 2008

O cheiro do ralo

Lá embaixo, porém, a coisa soa menos contemplativa. Há quem desaprecie o formigueiro que produz a música consumista do Mercado Público. Eu gosto porque é justamente dessas partículas sonoras que se faz o ar das bancas dos merceeiros.
O entorno, porém, é feito basicamente de massa humana em estado bruto, e a realidade assusta quem gosta, além das frutas, vinhos, temperos, de se alimentar de sonho (quando esse sonho não tem frestas que contagiam o mundo lá fora). Há ambulantes de vida precária que estão no dilema entre bater carteiras e vender alhos e laranjas; há mendigos que se arrastam pelo terminal de ônibus da praça Parobé, fumando as bitucas, bebendo aguardente velho e desexistindo à margem de tudo; há a manada, essa, chamada classe média e que vive em ondas de prosperidade e miséria, conhecimento e ignorância, indo de um pólo a outro sem pensar muito no porquê de tudo.
É na rua também que dá pra ver como esses quatro itens se combinam: é assustador perceber que uma fase de prosperidade (que não é para todos) e ignorância (que é para todos) como a que o país vive é talvez a que produz mais estragos coletivos. Da janela do ônibus que sai do terminal, vejo um pombo destroçado que ninguém recolhe.
Antes, na fila, vi ao lado o seguinte diálogo entre uma mulher e uma criança, enquanto outra criança, em plena rua, abaixava suas calças para mijar de cócoras:
- Titia, titia, lá em cima tem um banheiro pra levar a minha irmã.
Obesa, suja e com um espetinho de carne enfarinhada na mão, a mulher respondeu:
- Não, filha, ela não pode esperar. Vai logo, fulaninha.
E iam-se, com pressa (da novela/da janta/da morte), pela rua. No mijo e no pombo, destroços.

2 comentários:

Anônimo disse...

Todos os centros das cidades são iguais, mas nunca vi um com tanta poesia quanto o centro que voce decreveu! LINDO o post!

Anônimo disse...

Eu AMEI isso.

Saudades.