sábado, dezembro 03, 2005

Primeiro de dezembro
Linha Jardim Botânico, 22h08 de quinta-feira. O coletivo não muito cheio, as pessoas já cansadas. Uma delas carregava a apostila do curso de operador de telemarketing ativo e dentro em pouco, para a sua alegria, iria estar chegando em casa. Entrega uma ficha de transporte e passa pela roleta uma mulher muito branca, de esmalte vermelho, mesma cor da bandana que cobria sua calva. Voltada da sessão de quimioterapia. Ela se senta do lado esquerdo, naquele assento que fica sobre a roda do ônibus e está mais sujeito a solavancos. O passageiro da janela lê um poema adesivado sobre o vidro da janela e também, eventualmente, olha a noite e os passantes lá fora. A mulher tira um chocolate da sacola, abre a embalagem e dá uma mordida. Aproveita um momento de contato visual do companheiro de banco e oferece silenciosamente um naco do seu chocolate. Ele não aceita. O semblante da mulher se altera:
- Algum problema em eu ter câncer?
O homem a olha com estranheza, mas logo após tenta dar um sorriso compreensivo:
- Claro que não.
A mulher fica emburrada e se recolhe aos ruídos plásticos de sua sacola. Morde um pedaço do chocolate. Momentos depois, outro contato visual. O homem, meio sem jeito, mas com um olhar de compreensão agora um pouco apelativo, diz:
- Er... eu sou soropositivo.
A mulher calva enfia o resto do chocolate na boca de uma só vez, mastiga, e com os dentes marrons de chocolate derretido, sorri sem graça, levanta-se, faz sinal e desce apressada no próximo ponto.

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