segunda-feira, julho 04, 2005

Cada um tem o Atari que merece

Isso pode soar meio nerd, mas quando eu tinha uns 12, 13 anos, eu morava com o senhor meu pai e não suspirava muito pelos garotos da escola (bom, eu gostava do Fabiano, que tinha uma franja loira e era vesgo - talvez por isso eu nunca soube se ele olhava pra mim ou não - e brincava de médico com três primos meus). Ao invés disso, antecipei minha vida de instabilidade e mudanças constantes, carimbando meu passaporte para o mundo: eu tinha um Transglobe.
O rádio eu ganhei do seu Orsini Pinheiro, um gordinho careca, pai de uma amiga que não vejo há muito, cujo passatempo predileto era fazer cópias exatas de quadros do Benedito Calixto e depois socar tudo no apartamento de um quarto que ficava na avenida da praia, em Santos. Enfim: o velho me deu um rádio que tinha oito faixas e pegava absolutamente tudo.
Era uma espécie de garimpo eletromagnético... o rádio pipocava de estática e eu girava o dial muito devagar, ouvindo chiados e uivos, até que conseguia, milímetro por milímetro, sintonizar algo que normalmente era alguma língua incompreensível. Tipo... Rádio Moskva. Moskva? Moscou, antes do Gorbachov cair. Mas acabei aprendendo que durante 30 minutos ou uma hora por dia, as principais rádios do mundo transmitiam programas em português. Então foi aí que a Rádio Central de Moscou, a Rádio França Internacional, a Rádio Canadá Internacional, a BBC e a Deustche Welle entraram na minha vida. Notícias do mundo com ênfase local; aulinhas de alemão e francês pelo rádio; música descolada no programa "O Som de Londres" (que a BBC transmitiu o Live Eight, tá meu bem?); sessão de cartas em que já leram a minha! E mensalmente, todo o acúmulo de cartões postais, mapas, adesivos, selos, calendários e guias de programação vindos em pacotes vistosos com carimbos estrangeiros. Claro que eu era a esquisita da rua, needless to say.
Mas, seguramente, essa paixão infantil foi o início da minha paixão pós-adolescente pelo jornalismo. E agora, que nem sei mais o que quero, que chego à conclusão de que ainda não sei o que vou ser quando crescer, continuo ouvindo meu radinho. Pela internet. E os carimbos que figuram de verdade no meu passaporte vencido, se você encosta o ouvindo perto, chiam de estática radiofônica.

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