terça-feira, junho 07, 2005

Le peché portait des baskets


O caminho era o de sempre: saía da Vicente, dobrava na Santana e seguia por ela, cruzando a Ipiranga e olhando o arroio Dilúvio qual fosse um Sena meio decadente. Achava tão bonitas aquelas pontes com a base arqueada, que bastaria um toque feminino para exaltar sua arquitetura. Mas o cheiro do rio, aquele, nem limpeza de mãe resolvia. Todavia, seguia em frente, saudando silenciosamente as mercearias (sentindo na imaginação a textura das sementes de papoula recém tiradas de um saco de juta), as locadoras de filmes, as árvores, as pedras da calçada. Ia em marcha rápida, sentindo, além do impacto do caminhar, suas carnes ondulando de acordo com a lei da gravidade: bunda e peito. Sabia-se metralhada de olhares, ainda que daquele estilo de homens que apreciam essas bundas bem fornidas e de compleição robusta que a gente não encontra muito nas pseudo-européias.
Não eram só os ponteiros das bússolas que apontavam para o norte: também seu pensamento estava magnetizado para acima do paralelo 30, na altura do Trópico de Capricórnio, cidade de arranha-céus (e, caindo das alturas de alguns dos seus delírios, o único arranhão que existia era o das unhas do gato) mas também de histórias de pungência que aconteciam ao nível do chão.
Embrenhava-se no escuro da José Bonifácio às seis da tarde, assim que dobrava na esquina do Colégio Militar. Passava as entradas dos prédios em revista, querendo um dia entrar no Edifício Guaíra e tentar descobrir se seu interior tinha a mesma mágica do teatro curitibano. Cruzava crianças de mãozinhas indagadoras, logo na saída das creches e suas mães, muitas com sua idade. Via também as últimas luzes dos cafés, as cadeiras já sendo empilhadas, e missas nas duas igrejas, uma em cada esquina. Já entrara nas duas, buscando ser salva de um instante de angústia, pois que ela não durava todas as vidas e sim só uma, só um dia, só um minuto. Dava a volta pelo pronto-socorro, pegava a Venâncio e dobrava de novo na Santana, to take her way back. Mas não tinha volta.

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