terça-feira, maio 31, 2005



Orquestra Sincrônica
Eu tenho certeza de que existem lá no céu, por desses erros de cálculo que conduzem as almas à direção errada, dois velhos viciados em jogo. Não, vá lá, justiça seja feita. Não foi erro de cálculo. Eles acabaram se viciando por lá mesmo, fascinados pela facilidade com que se pode olhar as coisas lá de cima. Como não tivessem dinheiro pra contratar uma dessas profissionais que fazem tudo por dinheiro - a que eles tinham em vista era chamada sincronicidade - , pensaram que, com um pouco de sorte, daria pra conseguir algum trocado e começaram a jogar.
Com aquela aparência de velhinhos bondosos (um fora exímio pianista e o outro, escrevera singelas crônicas sobre o povo de sua cidadezinha), São Pedro pensou que não haveria mal em lhes abrir as portas. O pianista chegou primeiro e nunca deu problemas. A coisa começou a complicar quando chegou o cronista e lhe fez a proposta:
- É o seguinte, compadre. Eu tenho um ente querido lá embaixo que precisava de um empurrãozinho na vida. Assim, digamos, que pelo menos os acasos - lá embaixo eles acreditam que isso existe e, às vezes existe mesmo - lhe arranquem uns sorrisos, sabe como é?
O pianista franziu o cenho, desconfiado. Mas, de tanto olhar lá pra baixo com um muxoxo de saudade, mais deixando os santos e anjos (ah, sim?) entediados com horas infindamente celestiais em que tocava Satie, Debussy e Chopin, pensou que um punhado de sorrisos lhe traria alguma luz à sua paz eterna.
Jogaram por meses: biriba, bridge, truco, pôquer e roleta. Apostaram no vermelho 27 e ganharam. Chegaram a convencer o croupier de que havia um Preto 41. E ganharam. Quebraram a banca do céu. E, quando questionados sobre o que poderia estar acontecendo, eles respondiam com um enigma: "quantos anos tem a última semana de maio"?
Enquanto isso, no chão sólido do mundo dos vivos, de bolsos cheios de bufunfa, a sincronicidade fazia suar a camisa e calçava seu par novinho de tênis para correr com as moçoilas na avenida Higienópolis da Redenção.

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