quinta-feira, setembro 18, 2008

Clarividência

Deu-se, ontem, longa discussão depressiva à mesa da padaria Listo, para tentar entender a dinâmica de poder dentro do sanatório decrépito de "Ensaio sobre a cegueira", a que assistimos ontem: que a mulher do médico tinha tanto gosto pelo poder quanto o Rei da Ala 3, que seu "poder" era uma influência maternal e que é a mãe, justamente, a responsável por incutir a lucidez na cabeça dos filhos, que os auxilia na capacidade de enxergar o mundo ao longo da vida - se ela consegue, ou não, é que são elas.
Mas nada do que foi discutido era a real expressão do que foi sentido à frente da tela de cinema, nos incontáveis minutos em que fomos transportados para a metáfora tão crua do mundo, imaginada pelo doce Saramago. Ao fim do filme, levantar da cadeira e ir embora só não foi mais difícil porque havia um senhor, ainda mais retardatário, paralisado, de pé, diante da tela onde os créditos finais passavam. Talvez, ali, enxergando alguma coisa que éramos incapazes de ver fora da experiência dele. Talvez mais que uma visão: uma clarividência de si mesmo.
Chamou-me a atenção em ver, em algumas daquelas cenas, como o banho era uma coisa especial. O banho, a preparação para a morte; o banho, o resgate da infância, como se lavar-se fosse um preâmbulo para deixar os olhos mais limpos, o prisma da verdade mais livre e o caminho da vida, mais fluído.
E eu chorei ali e chorei em casa por outros motivos. Mas em todos eles por enxergar coisas. Nunca por fechar os olhos.

6 comentários:

isabel alix disse...

Pois é. O fato é que racionalização nenhuma é capaz de expressar o que esse filme faz com o que a pessoa traz dentro de si.

As palavras caem mortas e ocas ao chão ante o frenesi interno que ele desperta.

Fiquei tonta ontem. Estou tonta até agora. E lamento se falei demais. Era uma defesa contra a avalanche interna.

Liv Araújo disse...

Ei, não lamente! Esse é um filme que sobretudo deve ser discutido, assim como o livro, assim como o objeto da alegoria, a cegueira real.
Todos estivemos absolutamente perplexos. Bom que pudemos externar isso.

Stanislavski disse...

Creio que o filme nos mostra o que é o ser Humano em essência, o difícil é admitir isso...

Anônimo disse...

Pelo jeito o filme é realmente bom. Ainda não o assisti, pois tenho uma coisa com o Saramago. Coisa ruim no caso. Mas os comentários acerca dele tem me deixado curioso.

A União Faz a Vida disse...

"Mas em todos eles por enxergar coisas. Nunca por fechar os olhos".

Lindo. E muito a tua cara.

:)
Saudade

Dona ervilha disse...

é bão demais. ponto.